terça-feira, 31 de agosto de 2010

Crônica das 06:30 am

Eu derrepente me senti estranha. Me senti incomodada, com uma falta de espaço, e a respiração estava pesada. Quando abri os olhos, deparei-me apertada em meio a uma multidão - Estava de pé, com meu corpo pressionado ao ferro central do metrô. Já que não conseguia dormir, parei para fazer uma auto-avaliação.
Me dei conta de que não era uma pessoa realizada. Meus sonhos estavam muito distantes, quase que inalcansáveis. A menina que pretendia parar de estudar aos 50, agora, aos 17 não estudava nada, por falta de tempo e dinheiro. Me lembrei da palavra dinheiro. Lembrei-me principalmente que tinha pouco dinheiro na conta e muitas contas na mesa. Meu humor começou a ficar negro, e começei a descontar nas pessoas que estavam a minha volta da forma que podia. E a forma que podia, era me tornar cada vez mais espaçosa e menos solidária naquele metrô lotado.
Me lembrei que estava no metrô lotado as 07:30 da manhã, oque me fez lembrar que meu emprego é um lixo. Um subemprego, que me paga mal, não reconhece meus méritos, e ocupa boa parte do meu tempo. Comecei a me perguntar porque ainda estava trabalhando. Deveria procurar algo melhor, ou me matar de estudar para conseguir algo melhor. Oque me fez lembrar-me novamente da falta de tempo.
Me lembrei da falta de tempo. De quanto tempo fazia que eu não via meus amigos. De quando foi a última vez que saí com meu namorado. Caí em mim, e vi que só via meu namorado uma vez na semana, e que era sempre a mesma coisa: Um abraço apertado, uma palavra de amor, o almoço, e a cama, para DORMIRMOS a tarde inteira, é claro. Me dei conta de que nosso relacionamento havia caído na temida rotina. Senti meus olhos lacrimejarem. Percebi que não éramos mais felizes.
Me lembrei de felicidade. Lembrei que havia séculos que não recebia um telefonema, uma visita, um recado no orkut sequer de algum amigo; comecei a listar os nomes... Não havia nenhum sequer. Meus olhos molhados, agora haviam se enfurecido. Percebi que não tinha amigos de verdade. Todos haviam me abandonado.
Me lembrei de abandono. Nem minha mãe estava sendo solícita comigo, eram só cobranças e mais cobranças, e nada estava bom nunca. Me perguntei qual foi a última vez que ouvi um "eu te amo".
Me lembrei de amor. E me questionei onde estava o tal amor divino. Aonde ? Percebi que havia abandonado a religião. Tudo havera se tornado mais importante do que Deus. Pensei que deveria ser por isso que andava tão doente. Deus deveria ter me esquecido.
Me lembrei de doença. Me lembrei disso quando respirei mais forte, e senti aquele ar que não circulava. Voltei ao metrô lotado. Olhei no relógio, eram 07:45. Nossa! Fiquei muito tempo pensando. Percebi que minha estação havia passado, e senti raiva por isso. Não me poupei alguns minutos a menos de desconforto. Ainda estava cedo, iria chegar adiantada ao trabalho.
É sempre assim, sempre era a primeira a chegar em todos os lugares, e as pessoas sempre me deixam esperando. Sempre acham que sou "boazinha" demais e por isso podem aproveitar-se de todas as situações em que EU estivesse envolvida.
Comecei a sentir raiva da vida. Me sentia infeliz. Acabara de perceber que não tinha amigos á minha volta. Percebi que meu namoro era um fracasso, e que era a hora de parar por ali. Minha saúde era frágil, não fazia oque gostava, e que nem a minha família receberia uma medalha de "família feliz". Senti raiva. Olhei para o tempo fora da estação escura, e o céu continuava escuro. O ar gelado. Detestava frio, mas era assim que me sentia, gélida por dentro.
Me lembrei de Deus denovo. Olhei pro céu e comecei a questionar: "Porque com tanta gente que eu poderia ser, eu nasci Eu ?". Quando comecei a questionar Deus, eu acordei.
Ouvi um som ao longe, que dizia: "There's a natural mystic blowing throught the air..." Era o Bob cantando no meu despertador. Abri os olhos e tudo oque eu queria era estar na minha cama. E estava. Olhei pro teto, e vi a lâmpada do meu quarto, apagada. Olhei para o lado, e meu namorado estava ali, dormindo lindamente com o braço enganchado na minha cintura.
Peguei o celular eram 06:30 da manhã. Estava atrasada. Normal. Mas ainda com a culpa do atraso, não me apressei. Normal. Nunca me apresso. Trabalho, curso, vida, tudo me esperava. Na minha mão pra fora da cama, começou a se roçar minha gatinha. Olhei pra ela, e os imensos olhos azuis pediam carinho. Olhei pro lado denovo, e o vi despertando. Aquele olhar fez meu coração bater mais forte. Me senti farta, repleta de alegria. Percebi que tinha acabado de acordar de um pesadelo. Não, aquela não era Eu.
Sim, estava, muito, muito feliz e disposta. Comecei a orar: " Obrigada Senhor, por mais um dia. Obrigada pela minha vida. Obrigada senhor, não tenho motivos pra ser uma pessoa triste. Obrigada senhor, não deixei minha vida ser igual a de muitos, cinza e gélida. Obrigada senhor, por não ter deixado a vida me levar. Faça-me cada vez mais feliz, e contagiante."
Olhei pro lado: "-Bom dia meu amor. Eu te amo muito"
Estava pronta pra mais um dia. Feliz. Certa de que tinha sido um pesadelo, algo distante da realidade e só. Lembrei que é isso que mamãe diz quando acordo assustada nas madrugadas.